O futebol é um esporte marcado por grandes rivalidades. Muitas vezes, refletidas em temas que vão além do campo, envolvendo política, sociedade e até mesmo religião. Há também um caso, talvez único, em que a rivalidade esportiva fica de lado por uma causa maior.

Neste sábado (13),Athletic Bilbao e Real Sociedad se enfrentam pela 20ª rodada de LALIGA no Estádio San Mamés, em Bilbao, com transmissão pela ESPN no Star+ às 14h30 (de Brasília). O dérbi basco é um jogo marcado, acima de tudo, pelo respeito entre as torcidas e pela causa basca.

A Espanha é um país acostumado a viver com movimentos separatistas. Atualmente, uma das pautas de maior debate político entre os espanhóis é a anistia concedida pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez a independentistas catalães que, em 2017, convocaram um referendo sobre a independência da região. A anistia foi concedida em troca da maioria no congresso para formação de um novo governo.

Historicamente, o País Basco é a comunidade autônoma com maior força entre os movimentos separatistas. Se no passado, por conta das ações do extinto grupo ETA, foi marcado pela violência, hoje em dia esse movimento tem o futebol como uma de suas principais plataformas de divulgação e protesto.

“É um jogo especial para todos os bascos, para todas as pessoas que vivem no País Basco. Torcedores do Athletic, torcedores da Real, mas com o respeito acima de tudo. É um dérbi um pouco mais saudável do que outros exemplos que temos no futebol espanhol e em nível europeu. Logicamente todos queremos vencer, logicamente todos queremos fazer, como vocês dizem, um pouco de ‘brincadeira’ com o rival durante a semana, mas talvez seja menos agressivo, de alguma forma, que outros dérbis que são notícias por coisas negativas”, explica Ander Herrera, nascido em Bilbao e de volta ao Athletic após nove anos entre Manchester United e Paris Saint-Germain.

O sentimento é compartilhado no outro lado do clássico, como expõe o ídolo da Real Sociedad e oitavo maior artilheiro na história do clube com 92 gols, Mikel Oyarzabal, também em entrevista exclusiva à ESPN. “Um jogo com muita paixão, muito sentimento, mas com muito respeito. É um jogo que se vive de maneira muito especial, tanto para nós como para eles, e no qual as pessoas se respeitam muito. As torcidas são exemplares e para mim isso é o mais importante”.

As arquibancadas do San Mamés estarão repletas de bandeiras do País Basco e de símbolos da cultura local como a txapela, tradicional chapéu usado pelos basco.

A Espanha é dividida em Comunidades Autônomas, equivalentes aos estados brasileiros. O País Basco é uma dessas comunidades, mas a explicação sobre seu território e suas origens vai além das atuais fronteiras.

Na língua local, os bascos chamam essa região constituída dentro das leis espanholas de Euskadi. Porém, há um conceito maior sobre o estado basco, que inclui também a comunidade de Navarra, onde fica o Osasuna, em Pamplona, além de parte do sul da França – Bixente Lizarazu, campeão mundial com a seleção francesa em 1998, é basco. Essa área mais ampla é conhecida em basco como Euskal Herria.

Tudo isso faz, inclusive, com que a torcida do Athletic não tenha a Real Sociedad como principal rival, e sim o Real Madrid, da capital espanhola, por motivações políticas e sociais, além de maior competição esportiva entre os dois em décadas passadas. “Quando cheguei no Athletic, o que os torcedores me passavam é que o jogo grande da temporada é contra o Real Madrid e contra o Barcelona também. Esses são os jogos que os torcedores mais querem ganhar”, lembra Ander Herrera.

Os estrangeiros do dérbi basco rapidamente entendem também o sentimento predominante nas arquibancadas. Como foi o caso do escocês Kieran Tierney, que estreou no clássico pela Real Sociedad no primeiro turno em uma vitória por 3 a 0. O ex-jogador de Celtic e Arsenal se machucou ainda no primeiro tempo, mas em conversa com a ESPN se lembra bem de toda atmosfera em San Sebastián. “Aquele jogo foi especial, o estádio estava com um clima apaixonante… Ambos querem ganhar, claro, mas acho que mesmo entre os torcedores há respeito mútuo, porque todos são bascos”.

Aos 26 anos, Tierney já viveu algumas das maiores rivalidades do futebol. Formado na base do Celtic, enfrentou o Rangers algumas vezes e, como escocês, conhece melhor do que qualquer outra nacionalidade o peso social e religioso desse confronto na história da Escócia envolvendo católicos e protestantes. Na Inglaterra, esteve em campo pelos Gunners contra o Tottenham. “Se você comparar com Celtic x Rangers é diferente. Quem conhece a história de Celtic e Rangers sabe por que é diferente. Mas quando você está no campo, sentindo a tensão, a atmosfera, os três dérbis que já disputei, incluindo Arsenal x Tottenham que é intenso, no final o que te define é a vitória”.

A Real Sociedad, diferentemente do Athletic, utiliza jogadores estrangeiros em seu elenco. A equipe de Bilbao escala somente atletas com origem basca ou formados na região. No entanto, em ambos casos, nem sempre foi assim.

O Athletic foi fundado em 18 de julho de 1898 por trabalhadores britânicos que atuavam no porto de Bilbao e estudantes bascos que retornaram da Inglaterra. Em seus primeiros anos, contou com jogadores e dirigentes britânicos; até 1912, quando a atual política nacionalista foi implementada. Já a Real Sociedad, fundada em 7 de setembro de 1909 também por estudantes de regresso à região, seguiu a política do Athletic por décadas, até 1989 quando contratou o atacante irlandês John Aldridge. Desde então, se tornou destino para vários jogadores estrangeiros, incluindo brasileiros como Willian José, Rafinha Alcântara e Sávio.

“É complicado, somos algo único no mundo. Acho que só existe algo parecido com o Chivas, de Guadalajara, mas eles fazem com todo México, mais de 100 milhões de pessoas. Nós fazemos com três, quatro milhões, por isso creio que o mérito seja ainda maior. É algo muito especial, que faz a nossa torcida se sentir parte dos nossos êxitos e também dos nossos fracassos. O fato de um torcedor conhecer algum jogador do elenco, algum familiar, ser do mesmo bairro, da mesma cidade ou mesmo ter ido ao mesmo colégio que ele, faz com que a nossa filosofia e a forma de entender o futebol seja muito bonita. Qualquer amante do futebol, qualquer pessoa que goste desse esporte, tem carinho por esse clube que vê o futebol de maneira tão romântica”, sintetiza Ander Herrera.

O Athletic, ao lado de Real Madrid e Barcelona, faz parte do seleto grupo de times fundadores de LALIGA que jamais foram rebaixados para a segunda divisão.

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